Rubia era simples. Gostava de andar descalça e de ficar à vontade. Não gostava de nada que a prendesse. Nem roupas justas, nem sapatos apertados, nem pessoas possessivas. Tudo que a incomodasse era colocado no mesmo patamar – fossem roupas ou pessoas. Era livre. Seria livre a qualquer custo.
Gostava, acima de tudo, de conversar. Tanto fazia o assunto, o que importava era aprender. Curiosa, quando não sabia do que se tratava ouvia e absorvia. Só não lhe importavam futilidades. O que era moda não lhe despertava interesse, e isso fazia com que tivesse dificuldade em se conectar a novas amizades. Tinha os amigos de sempre, de infância e uns poucos que conheceu sem querer, amigos de amigos.
Era afável, não desprezava ninguém. Tratava a todos com atenção, mas não conseguia se ater a banalidades. Preferia ficar quieta, em seu canto, do que simplesmente jogar conversa sem sentido fora. Havia quem a visse como arrogante, mas seu problema era, talvez, timidez. Nunca iniciava uma conversa. Sempre alongava bons papos com quem começava a falar com ela, mas nunca tomava a iniciativa. Andava pela avenida movimentada se perguntando de onde tirou coragem pra deixar aquele livro no trem, e onde estava com a cabeça quando pensou que aquele livro deixado ali pudesse fazer com que os dois se encontrassem novamente.
Rubia já estava em seu lugar na janela quando o trem estacionou – gostava quando conseguia se sentar ali, mas não gostava dos bancos que ficavam de frente. Ali, na janela, tinha pra onde olhar sem precisar olhar para os outros. Para ajudar, sempre tinha um livro e ouvia música. Assim não havia como ter contato com alguém que não conhecesse. O único problema era o sol que batia insistentemente em seus olhos, mas não conseguiria mudar de lugar, pois o trem havia parado e entravam mais e mais pessoas.
Ali, do seu lugar, com aquele sol impertinente, reparou em um grupo bem inusitado de meninas entrando no trem. Falavam alto, se empurravam... Adolescentes efervescentes. Por sorte, elas foram para o lado oposto do dela. Enquanto as via, reparou em um cara muito bonito procurando um lugar pra se sentar. Alto, cabelos pretos e lisos. Branquelinho e com furinho no queixo. Bermuda, camiseta branca, camisa xadrez por cima e um tênis bem surrado. Assim que se sentou, reparou em um corte em seu rosto. Devia ser daqueles que nunca fazem a barba e foi obrigado, por qualquer motivo, a fazer a contragosto. Mas sua atenção fora desviada pelo grupo de meninas, que vieram para aquele lado, sentar perto do rapaz. “Um cara desses não passaria despercebido”. Rubia resolveu deixar a admiração momentânea de lado e voltar a seu livro.
Tentou se concentrar, mas as garotas falavam mais alto do que tocava a música em seus fones. Estavam atrapalhando tanto a leitura quanto a audição. Rubia se desconcentrou, mas continuou fingindo ler, pois percebera que o cara na sua frente estava meio perdido em pensamentos e se perdera justamente olhando em sua direção. Continuou, então, com sua cabeça abaixada pra não ter de cruzar com o olhar daquele ser que chamava a atenção de todas. “Tipo comum: bonito e gosta de loiras. Fica olhando pra adolescente peituda como todos do vagão. Deve ser um panaca, sem assunto. Mas é realmente lindo”.
Rubia não e conteve quando a loira sentou-se ali com ele e quis ouvir a conversa. Queria saber que tipo de cantada o panaca passaria na menina, e quantos segundos demoraria pra eles trocarem seus telefones. Também estava curiosa pra saber em que ele estaria pensando, mas a outra teve o descaramento de perguntar e isso ela nunca faria. Aproveitaria pra ouvir. Sabia que seria alguma idiotice, mas levava a vida tão a sério que ouvir algo inútil uma única vez não lhe faria mal. Já tinha tomado antipatia pelo cara na sua frente, quando ouviu a tal cantada. Era pra ela! Era dela que ele estava falando. Dela e daquele sol que a incomodava tanto e possivelmente fazia seus cabelos ficarem com uma cor mais vibrante. Ele havia reparado nisso, coisa que nenhum tipo comum faz e, além disso, ainda descrevia seus pensamentos de forma quase poética. Falava em nuances. Devia ser pintor, desenhista, algo assim. “Não, estou imaginando demais. Ele pode estar falando sobre qualquer outra coisa”, pensou Rubia. Mas ele começou a falar das cores de sua roupa e praticamente fez um convite velado pra algo mais. Vinho e velas sem mais cores. Só o vermelho.
Não resistiu e o olhou. O fato de saber que ela a estava imaginando nua causou-lhe um sorriso espontâneo. Sorriso de quem gostara da ideia e de quem gostaria que ela se concretizasse. Rapidamente baixou os olhos para seu livro, mas as letras pareciam formigas dançando alegremente pelas páginas: embaralhadas e embaçadas. Rubia ruborizava. Estava certa de que suas têmporas estavam mais rubras que seus cabelos. Mas Miguel não percebeu, pois falava olhando para a outra, agora. A outra que não entendera o que Miguel quis dizer. Foi divertido, pra Rubia, ouvir tudo aquilo e ainda ver que a outra se sentira lisonjeada. Ela riu-se de sua inocência, por assim dizer, e tentou disfarçar, sem conseguir.
Ao mesmo tempo em que tentava disfarçar sua satisfação, Rubia tentava encontrar algo pra dizer a Miguel. Não conseguia pensar em nada de tão surpresa que se sentia ainda com aquela declaração inesperada. Respirou fundo, sorrindo ainda e estava pronta para olhar para ele quando seu celular tocou. Era um amigo que vinha do interior perguntando se ela ia encontrá-lo. Ela combinou com o amigo em um bar que ele já conhecia, enquanto colocava seu livro ao lado de sua perna. Sem saber o que dizer, e sabendo que nunca mais o veria, decidiu deixar algo que o fizesse se lembrar dela.
Quando o trem parou, esperou um pouco para que as pessoas ao redor descessem e seguiu para a porta, como se nada daquilo tivesse acontecido. Deu uma olhada ainda para Miguel, depois que saiu de seu campo de visão, pra ter uma última imagem dele. “Que pescoço perfeito!”. Foi o que ela pensou vendo Miguel de costas.
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