Ele colou um adesivo de nicotina em suas costas. Adesivo comprado mais ou menos há oito meses. Usou dois na ocasião, além dos chicletes, também de nicotina, que mascava enquanto fumava um cigarro atrás do outro.
Era tão determinado que plano nenhum de mudar sua vida atrapalhava seus antigos hábitos. Por mais que pensasse, todo dia, da hora que levantava até quando tentava dormir, que acordaria cedo, tomaria um café da manhã digno, iria para a academia, organizaria suas tralhas, jogaria fora roupas velhas que não lhe serviam mais, enfim, se livraria de tudo que o incomodava, nunca tinha resultado. Sempre seguia a mesma rotina: levantava, lavava seu rosto, escovava seus os dentes, pegava um pouco de café já morno e voltava pro quarto. Acendia um cigarro, dava dois tragos, ligava seu computador, desligava, pegava alguma tela, largava... E assim seguia seu dia.
Eram assim todos os dias. Sentia vontade de ter um trabalho comum, assim poderia ter mais do que reclamar além dele mesmo. Um trabalho como de um operário em alguma empresa, ou funcionário de alguma repartição pública. Mas entre o tédio de uma vidar normal e o tédio de uma alma sem inspiração, ele preferia seu próprio ócio.
Seu descontentamento era claro. Porém, não suportava a idéia de ter de conviver com pessoas que não o viam com bons olhos. Não era sociável, não gostava de jogar conversa fora. Só interagia com quem se parecesse com ele e esse tipo de pessoa é raro.
Não saia na rua. Só quando era extremamente necessário (pra comprar cigarros, por exemplo). Não gostava de sua vizinhança nem da luz do dia. Vivia entocado, com seus livros sempre deixados de lado pela metade, seu cinzeiro cheio, sua TV ligada o tempo todo, mas que nunca tinha sua atenção.
Nada o interessava, não prendia sua atenção por muito tempo em ninguém, em nenhum assunto. Nem as tragédias que estavam acontecendo ultimamente, nem a vida de alguém que tinha sido salva, nada.
Sentia-se só, por vezes, e era nessas horas que gostaria de mudar. Pensava que se parasse de fumar mudaria de vida.
Se não fumasse, em vez de voltar pro quarto, tomaria seu café. Não suportava comer de manhã. Aliás, só se lembrava de comer quando estava completamente tonto de fome. Isso ocorria lá pelas onze da noite. Durante o dia, como não se mexia, não sentia necessidade. Só café e cigarros. O dia todo. Isso o incomodava, mas esse era um momento raro e efêmero.
Dessa vez estava decidido a mudar. Sempre pensava que no outro dia faria diferente, e nunca fazia. Mas naquela noite havia colado seu adesivo às suas costas. Estava resolvido. Apagou seu último cigarro, desligou a TV, apagou as luzes e se deitou para tentar dormir.
Sempre tivera um sono conturbado. Durante o dia, não pensava em nada importante. Estava sempre pulando de um afazer a outro. Começava uma tela, e logo a deixava de lado. Começava um livro qualquer com todo entusiasmo e, quando chegava à décima página, percebia que estivera em outro lugar a partir da segunda. Tentava se concentrar novamente, procurando ali alguma fonte de inspiração para retornar à tela, mas não conseguia. Tentava outras atividades, sempre inacabadas. E assim seguia seu dia.
Só à noite, quando apagava as luzes e deitava em sua cama, que começava a pensar em mais um dia desperdiçado. E nos dias que viriam e em como faria para não mais deixar sua vida escorrer entre seus dedos. Isso atrapalhava seu sono, e nessa noite, em especial, Morpheu se recusava veementemente em visitá-lo.
Revirava-se na cama e não sentia paz. Talvez fosse efeito do adesivo, deixando-o elétrico. Talvez fosse a ansiedade por saber que se obrigaria, de toda forma, a ter um dia diferente quando a noite terminasse.
II
Sábado. Abriu a janela de seu quarto e percebeu que fazia um dia bonito. Quanto tempo fazia que não prestava atenção a um dia claro? Não gostava do sol nem se importava se ele aparecia ou não. Mas nesse dia o sol seria de grande ajuda. Seria mais fácil sair de casa em um dia como esse.
Saiu do quarto, foi direto ao banho. Barbeou-se e só então percebeu como havia se descuidado. Havia quem dissesse que uma barba assim era típica de artistas, juntamente com a boina que ele sempre usava. Olhando-se no espelho e vendo aquele rosto renovado decidiu se livrar da boina também.
Direcionou-se à sua primeira missão tida como impossível: tomar o café da manhã.
Em vez do café puro, um copo generoso de café com leite. Em vez do cigarro, um pão fresquinho que sua mãe acabara de comprar. Sua mãe, aliás, estava surpresa. Há anos não via seu menino sentado à mesa, sobretudo a essa hora da manhã. Sentou-se com ele e começou uma conversa matinal, mas ele não respondia. Não gostava de falar pela manhã. Nem gostava de falar durante o resto do dia. Mas pela manhã lhe era mais difícil. Não era mau humor, como muitos dizem sentir. Era só uma necessidade de continuar isolado como ficara durante a noite. Esse sentimento de solidão lhe era muito valioso.
Percebendo a decepção de sua mãe pela tentativa frustrada de se reaproximar do filho, lembrou-se de que aquele era o primeiro dia do resto de sua vida. Lembrou-se que mudaria e, por fim, respondeu com simpatia às investidas da mãe. Sorriu-lhe e disse-lhe que não se preocupasse mais, pois aquele filho estranho estava tentando ser mais acessível. Disse-lhe também que a amava e que era grato por toda a preocupação e cuidado que recebera dela durante sua vida.
Ele comia devagar, não estava acostumado. E a conversa se estendeu por uns vinte minutos. Quando terminou, levantou-se, deu um beijo em sua mãe e saiu.
- Pra onde vai? - perguntou-lhe a mãe surpresa pela atitude do filho.
- Não sei. Só sei que vou. E volto. Não se preocupe.
Saiu pela porta da sala, desceu as escadas. Abriu o portão, pisou na calçada e, de costas pra rua, fechou o portão. Quando se virou e se deparou com a rua, olhou para frente, depois para os dois lados. Não pra ver se vinha algum carro que o impedisse de atravessá-la, mas porque não sabia pra onde ir. Tentou por alguns instantes pensar em algum lugar interessante, mas tinha pouco dinheiro e nenhum destino. Parecia que o mundo lhe era completamente desconhecido. Não sabia o que fazer e se sentiu perdido na frente de sua casa.
Por fim, resolveu ir a algum parque. Decidiu-se pela direita e deu três passos. E lembrou que não tinha ideia de como chegaria a parque algum. Abriu o portão novamente e voltou para seu quarto.
- Nossa, esse ritual e esse suspense todo só pra sair e comprar cigarros? – Disse a mãe, já decepcionada pela mudança ter durado tão pouco.
- Voltei só pra consultar o guia. Não sei como chegar ao Ibirapuera.
A mãe riu-se e explicou-lhe qual ônibus usaria.
- Aviso-lhe que não há árvores secas lá. Não nessa época do ano. É tudo muito verde e paisagem cinza que você costuma pintar e fotografar não será encontrada lá.
- Imagino, mas vou mesmo assim.
- Vai se encontrar com alguém?
- Não.
- Vai sozinho?
- Sim.
- Por que alguém resolve visitar um lugar tão bonito sozinho?
- Não sei, só sei que vou.
- Você precisa se mais criativo em suas respostas. Espero que encontre alguém interessante. Você precisa de amigos. Tem que sair de casa, ser mais sociável.
- Talvez eu tente a partir de hoje.
[...]
5 comentários:
Você devia escrever mais e fazer outras coisas menos....rsrsr...!
Deveriam ter tido mais professores iguais a você no meu tempo de escola. Mas tenho certeza que irei aprender muito com seu blog. Bjs.
Eu fumo e escrevo ao mesmo tempo. Dá pra conciliar. Acho que isso seria a única coisa que eu deveria fazer menos. E tem coisa que eu queria pelo menos uma vez...
rsrs
Tati, vlw a visita. Obrigada pelo comentário.
Pra não dizer que fiz pouco caso, vim ler, já era pra estar na cama, mais estou aqui lendo e podre de sono hahahuahahaha.
Espero que o cara deixe de fumar, e vc tbm ;)
n sei pq, mais gosto de vc, fui com sua cara, senhorita ruivinha =p
Will
Se soubesse que vc ficaria lendo, teria feito companhia. É q vc disse que só veria hoje. Tb teria te levado o café e o pão!
rsrs
Fico devendo essa.
Qnt à parar de fumar: vou ter de parar mesmo, or consideração a alguns que insistem tanto nisso.
Inclusive vc!
Tb gosto de vc. Sempre gostei, apesar de não parecer no começo.
Muito obrigada pela visita!
Beijo.
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