Se, por um acaso precisar de algo que ali deixei, vou lá pegar e trago novamente pro meu quarto. Isso se alguém já não tenha me feito o favor de ter jogado por mim. Aí confirmo que o 'eternamente' não existe mesmo.
É assim com revistas, papéis, enfeites...
Os livros e a meia dúzia de discos de vinil continuam firmes no quarto. Mesmo não tendo mais a "vitrola" há tempos, os discos ficam!
Já me desfiz de muita coisa sem querer assim. Sempre aparece alguém disposto a fazer uma faxina onde não deve e vai lá mexer no meu armário de memórias. Poxa, já não é suficiente a idade que vai chegando e levando muito do que vivi pra não sei onde, ainda tenho que aguentar alguém levando as provas cabais de já ter vivido?
Trocava cartas (isso mesmo, cartas - aquelas enviadas pelo correio, com selo colado e carimbado e tudo mais) com um amigo que morava longe. Demorava dias pra bendita chegar lá e outros tantos pra resposta chegar de volta. Hoje nos comunicamos por telefone, msn... Muito mais fácil. Quatorze anos e não perdemos contato. Cartas, nunca mais. Mas aquelas me eram muito valiosas.
Eu fazia rascunho. Eram folhas e folhas de caderno rascunhando, até chegar na carta perfeita. Ele não fazia.
Escrevia o que se passava e, se errasse, rabiscava por cima e consertava ali mesmo. Meninos são mais relaxados. Mas a saudade e o sentimento eram os mesmos pros dois.
Como eu queria ter ainda aquelas cartas. E alguém as jogou fora. Juntamente com as lembranças que ganhei quando fiz o Encontro de Jovens e com minha revistinha de cifras de violão das músicas da igreja (eu tocava no Encontro) e do Legião também. E meu violão sumiu! Acho que emprestei e quebraram.
Bem, as cartas foram lá pro fundo por engano. Devia tê-las guardado junto com os discos. Dentro do guarda roupas. Meus livros saíram do guarda roupas e foram para uma prateleira. E agora surgiu uma goteira sobre eles.
Não podia simplesmente gotejar em minha testa? Tem que ser neles?
Essa semana resolvi que eu mesma faria a faxina lá no fundo. Tinha muitos livros lá também. Apostilas da faculdade, apostilas que montei pro trabalho... Separei o que não mais usaria pra dar um fim. Voltei alguns livros pro meu quarto, outros levei pra biblioteca da escola. Os papéis sem mais utilidade eu separei pra reciclagem. E, no meio da bagunça, achei uma agenda de 2001.
Época de transição. Terminando um relacionamento e querendo começar outro. Achei engraçado eu ter anotado o que acontecia ali: as tentativas de afastamento de um e os investimentos no outro! Essa agenda eu tinha dado pro então namorado, que precisava muito de uma pois era músico, viajava muito e tinha muitos compromissos. E sempre me deixava sozinha. Como fosse tão desorganizado quanto eu, comprei-lhe a agenda.
Aconteceu que ele queria uma eletrônica! Dei a eletrônica e fiquei com a primeira. Eu a tinha adorado! Tinha estrelas na capa e, dentro, várias curiosidades e pequenos poemas.
Que ironia: a agenda que era pra ser dele tinha ali todos os relatos sobre meu descontentamento por ele e meu tesão irrestrito pelo outro!
Como tudo começou, como tudo acabou, ali. Hoje nos cumprimentamos quando nos encontramos, trocamos algumas polidas palavras. Ele até passou aqui em casa certa vez e parou pra bater papo. Fazia anos que a gente não se falava. Acho que ele queria mesmo era mostrar o carro novo e deixar claro que estava bem. Fiquei feliz por ele e, enquanto contávamos nossas vidas uma para o outro, eu me perguntava porque tinha ficado com tanta raiva do moço naquela época. Tanta que não podia nem olhar pra cara dele. O cara era tão legal, ão simpatico...
Lembrei-me o por quê quando encontrei a agenda. Ele me impediu de ser feliz. E enquanto não me conformei com o fato de que não poderia ficar com o outro, sentia raiva dele. O outro arrumou outra. Casou, teve filhos. Está bem e feliz. O primeiro também: casou, teve filho e está bem e feliz.
Eu não me casei, nem tive filhos. Mas também estou bem e feliz.
Na agenda tem tudo registrado: principalmente nossa última briga, que aconteceu porque ele não queria me deixar fazer o curso de teatro. Eu perdi o curso, ele perdeu a namorada; e a primeira vez que fiquei com o outro. Aconteceu exatamente nessa ordem: o fim do namoro veio primeiro. Não fui desleal. Meu erro foi não ter esperado um pouco. Sempre fui impulsiva e nunca passei vontades. Tem ali também as outras poucas vezes em que fiquei com o outro. Infelizmente poucas. Mas melhores que os dois anos passados antes dele. E me lembrei de tudo por causa da agenda que nem era pra ser minha.
A agenda que era pra ser dele me fez lembrar do outro. O quadro do Robert Smith que ele me deu e que ainda está aqui pendurado no meu quarto ainda me faz lembrar do outro. O 'The Top" que ele me deu porque sabia que eu considerava o melhor disco do Cure também me faz lembrar o outro.
Todos os presentes que ele me deu tinham algo a ver com o Cure, e me faziam (e fazem) pensar em outro.
E só agora, dez anos depois, eu percebi isso.
A culpa foi dele por eu ter desejado tanto o outro. Toda dele!
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