sábado, 15 de maio de 2010

Nicotina

 Cena do filme Nicotina, de Hugo Rodriguez (2003)


Fumo há 19 anos. Quero parar, mas nunca tentei.
Vou morrer de qualquer jeito, fumando ou não. Então que eu morra bêbada, durante uma tragada, depois de uma boa transa.
Um amigo do meu pai parou de fumar, começou a fazer academia, e melhorou consideravelmente sua saúde. Certo dia, pegou sua bicicleta, saiu para a academia como de costume e, na esquina de casa um ônibus descontrolado o atropelou. Fosse fumante ainda, àquela hora da manhã estaria deitado em sua cama, fumando seu cigarro sossegadamente e só morreria de câncer anos depois. Talvez estivesse vivo até hoje.

Acho que ficar falando sobre cigarros não ajuda. É a mesma coisa que terminar um relacionamento e ficar lembrando-se do que aconteceu. Cada vez que você fala sobre dá mais margem a uma recaída. O problema do cigarro é, além do vício, o hábito.
Eu era acostumada a fumar toda vez que descia de um ônibus. Fumava um cigarro no ponto, e, cinco minutos depois, quando descia no centro pra pegar outro ônibus, fumava mais um. Não importava a distância entre um lugar e outro. Meia hora ou cinco minutos, sempre havia um cigarro aceso quando chegava ao destino. Depois que aprendi a dirigir fiquei sem fumar no trajeto casa-escola ou outro qualquer durante um tempo. Mas aprendi a conciliar acelerador-embreagem-câmbio-freio-volante-cigarro e fumo dirigindo também. Entro no carro e acendo um cigarro. Não pode, mas...
Um ex-namorado me enchia a paciência por causa do cigarro. Ele dizia ter rinite e isso o incomodava. Já fumava quando começamos a namorar e ele continuou comigo porque quis. Se parasse, não seria por ele.
Tive pneumonia. Fiquei dez dias internada, engordei dez quilos no hospital e fiquei mais vinte dias em casa, de repouso. Engordei outros dez. Vinte quilos em um mês! Não por que parei de fumar, mas por causa do soro com vitaminas (enquanto estava internada) e por causa do hábito. Quando se para de fumar é preciso substituir o hábito por outro e normalmente substitui-se pela comida. Já pensei em substituir pela academia, mas tive medo do ônibus...
Voltei pra faculdade e, a primeira coisa que fiz, foi pedir um trago para a minha colega. Só fumava lá. Depois, meio envergonhada por cerrar o cigarro da menina todo dia, passei a comprar um maço pela manhã e deixá-lo com ela quando íamos embora. Depois passei a trazer os maços pra casa e passei a fumar na lavanderia, escondida. Fumei escondida por um ano e passei a pedir para que o namorado me ligasse antes de vir pra minha casa, pois assim teria tempo de tomar um banho, escovar os dentes e enganá-lo. Passei a evitar meu namorado e a vir embora da casa dele mais cedo só pra poder fumar no caminho. Trocava sua companhia pela das meninas da rua de cima, pois na casa de uma delas eu podia fumar sossegada.
Fui a um show que ele faria em Volta Redonda, junto do Capital Inicial. Estava doida pra fumar e ele não saia de perto de mim. Lá pelas seis da tarde ele foi passar o som e eu fiquei no hotel. Corri para um posto de gasolina que tinha em frente, comprei um Carlton, voltei para o hotel, fumei numa área aberta que tinha no quarto (separada dele por uma porta de vidro) e guardei o maço na minha bolsa de calcinhas.
Peguei um livro e fui sentar numa área fora do quarto, onde tinha um sofá e uma mesinha na frente. Fiquei ali um tempo, mas percebi que os corredores do hotel estavam muito desertos, tudo muito quieto e estava começando a escurecer. Fiquei com medo de ficar ali sozinha afinal, estava no Rio de Janeiro (perdoem-me o preconceito paulista) e resolvi entrar e fumar mais um cigarro antes que ele voltasse. Nessa hora ouvi uma porta no final do corredor abrindo e fechando rapidamente, como se a pessoa tivesse pressa em sair dali sem ser vista. Pensei que a pessoa pudesse ter cometido algum crime precisava sair dali o mais rápido possível (mentira, não pensei nada disso, mas fiquei com medo por estar sozinha, de qualquer forma). O medo aumentou e tive mais pressa ainda de chegar ao meu quarto.
Quase chegando à porta, dei de cara com o Dinho. Acho que ele teve medo que eu o agarrasse, ou fizesse algum escândalo, ou algo típico de tietes (eu gostava do Capital naquela época e, convenhamos, o Dinho sempre foi muito gato!). Ele se agarrou à primeira maçaneta que viu pela frente. Tentou abrir a porta algumas vezes, desesperado e, vendo que não conseguia, olhou pra mim sem saber o que fazer. Eu olhei pra ele, ergui os ombros, mostrei as palmas das mãos (e a chave que estava em uma delas) e disse:
- Esse aí é o meu!
E ri. Ele também. Fazer mais o que? Como estava bloqueando sua passagem, dei-lhe licença, e abri a porta. Ele desceu correndo as escadas e eu fui fumar meu cigarro. Era só isso que queria: entrar logo no quarto e fumar mais um cigarro antes que o namorado chegasse, nada mais.
Hoje digo brincando se aquela porta estivesse aberta eu estaria lá até hoje, mas na hora nem pensei nada. Só queria meu cigarro e depois um banho pra não deixar rastros.
Nessa noite, vi o show deles no meio da galera. Deixei o namorado em seu camarim (pois estrela não se mistura com o povo) e fui sozinha lá pro meio da multidão. Na verdade, era um salão de jogos, com um palco na frente e arquibancadas em volta da quadra. Senti saudade de quando jogava vôlei na escola, ou basquete, ou futebol (meu time foi campeão de futsal no único ano que teve futsal feminino) e percebi que depois que comecei a fumar inveteradamente nunca mais fiz esporte nenhum, nem brinquei mais de bandeirinha, nem pega-pega, nem esconde-esconde, nada...
Na verdade, o único esporte que ainda pratiquei até pouco tempo foi a sinuca, mas 7 de agosto pra cá também diminui essa prática. Não dá pra jogar sinuca sem fumar, já que a cerveja a acompanha o jogo e o cigarrinho. Você joga uma partida e tem que sair pra fumar. Quando volta, a mesa já está ocupada e com fila. Vou comprar uma mesa e resolvo esse problema.
Fiquei no meio do povo pra ficar longe do namorado. Essa que é a verdade. Durante uma hora e meia de show fumei o quanto pude e bebi bastante também, pra disfarçar o gosto. Quanto ao cheiro, não tinha problema, pois estava junto de outros fumantes e tinha uma desculpa pra ficar fedendo.
Cigarro fede! Meu quarto é insuportável. Minhas roupas são impregnadas,meus cabelos também e não posso fazer uma escovinha legal e a tinta desbota rápido porque tenho de lavá-lo todos os dias. Ruivas não deviam ser fumantes. Ou fumantes não deviam ser ruivas... As unhas ficam amarelas e aquela francesinha que faço com tanto capricho não dura um dia.
Voltando ao assunto: nessa noite ainda xinguei (o Word sugeriu ‘falei mal’ em vez de ‘xinguei’) o baterista e mandei que enfiasse suas baquetas lá vocês sabem onde (que será que o Word sugeriria se, em vez de ‘vocês sabem onde” eu escrevesse no c*???). Mas isso é outra história...
Pra liquidar o assunto do namorado com rinite. De tanto evitá-lo pra conseguir fumar, acabamos nos separando. Até hoje ele pensa que foi por causa de outro cara. Eu gostava de outro cara, na verdade. Mas isso só aconteceu porque eu evitava ficar com ele o quanto podia, porque passei a fingir orgasmos relâmpagos pra transa acabar logo e eu poder ir embora. Ligava pra minha irmã e dizia: “olha, daqui a quinze minutos me liga pedindo pra eu ir embora por qualquer motivo...”. Adorava quando ele passava três, quatro dias viajando pra tocar porque eu podia sair pra tomar uma cerveja e fumar à vontade. E nessas vezes o outro sempre estava lá. O outro que era meu amigo, nada mais... Mas conversa vai, conversa vem e percebi que serotonina tem mais graça se associada à nicotina.
Terminamos e ele passou a beber mais e, pasmem, a fumar! Cigarros e outras coisinhas mais... Onde foi parar a rinite? Sei lá... Acho que acabei com a vida do menino!
Acabei nada. Ele fez drama por um tempo, ligava de madrugada dizendo que ia me matar, depois disse que ia se matar... Está vivo até hoje. Casou, teve filho e está feliz da vida, graças aos deuses. Mas fuma há dez anos!
Meu atual namorado não fuma, e não reclama. Mas sempre se mostra preocupado por eu fumar demais. Disse que não se importava que eu fumasse na casa dele, pois lá havia até um cinzeiro e um isqueiro caso algum amigo fumante o visitasse. Acho que se arrependeu... E diz que se preocupa pra tentar me vencer por meios psicológicos.
Eu nunca me preocupei comigo ou minha saúde. Mas tenho me preocupado com ele, que não tem rinite, mas tosse bastante à noite por causa do cheiro do cigarro. Talvez por ele eu pare. Vou pensar no assunto.
E, enquanto penso, acenderei um cigarrinho pra ajudar a clarear as ideias.

2 comentários:

Juan Moravagine Carneiro disse...

E, enquanto penso, acenderei um cigarrinho pra ajudar a clarear as ideias...

Você não tem jeito...rsrsrs...

Saudades de seus textos!

Jorge Pimenta disse...

raios, acabo de fumar um cigarro enquanto leio o teu post, Sophia... e logo eu, que nem fumo :)
um beijinho!