A Persistência da Memória - Salvador Dali
O tempo rasteja, esse carrasco. Ocupa-te, distrai-te, mantém-te assoberbado e verás que é tudo em vão!
Ele se ri, faz pouco de teu desespero e escorre lentamente, numa ampulheta feita de rochas.
Tenta dormir, para enganá-lo e, quando acordares, verás que ele passou, mas não se adiantou. Continuarás tendo de esperar. Exercite tua paciência, pois ele é implacável. Ele pára, esse palhaço, justamente quando seu sono está esgotado, suas tarefas estão todas cumpridas, suas ocupações esvaíram-se...
E não adianta procurar nada novo pra fazer até lá. Podes desenhar, escrever, correr, cantar. Podes tentar trazer o céu para teu quarto, jogar estrelas nas paredes, se quiseres... Sempre, sempre irás parar no meio de tudo pra notar que ele continua se segurando e se divertindo à custa das linhas que começam a se desenhar ao redor de teus olhos.
Mas ele passa. Não parece, mas passa. E a hora chega.
Chega depois dos cinco dias que parecem uma década. Chega quando percebes que mais um ano é acrescentado ao seu rosto, e quando vês que mais um ano se passou e os cinco dias, não.
E quando esses cinco dias chegam ao fim, os dois que sobram, os dois tão esperados, vão-se num piscar de olhos.
Desocupa-te, distrai-te de tudo lá fora e concentra-te em beijos ébrios de agave azul o quanto puderes, pois verás que o tempo, esse sádico, diverte-se ainda mais, voando rápido e fazendo-te perceber que já é hora de toda a saudade recomeçar.
9 comentários:
"O problema do nosso tempo é que o futuro não é o que costumava ser." Paul Valèry
A nossa finitude e frágil condição estão na origem da divinização do tempo que, pela sua inexorabilidade e implacabilidade, ora são amigos da memória, ora a enxovalham. Daí sermos, tantas vezes, os nautas do Tempo indomável: na rosa azul, de Jorge Amado, no quadro, em O Retrato de Dorian Gray, entre tantos outros.
Saibamos, pois, construir aqui mesmo, diante de nós e dos outros, a eternidade - como dizias, pode bem ser nos beijos de agave azul.
Beijinho, Sophia!
Não faz tempo, escrevi no blo um texto sobre o quadro, ou pintei um quadro com o texto.
E como diz o diretor no filme Irreversível..."Le temps detruit tout.".
Este foi um dos textos que mais gostei de todos que você escreveu...!
Ops, dois blogs novos pra eu visitar: paliativo e da V.
A V eu vejo lá pelo "obranco...". Escolhi esse quadro por ser uma das poucas coisas que me lembro da faculdade. Não sei muito de arte, mas este ficou na minha memória, ironicamente. Não sabia o nome. Procurei por relógios derretidos! rsrs
A 'quase' persistência da memória!
Juan, querido. Toda vez que escrevo algo fico ansiosa pela sua impressão. Ela me é muito importante. Obrigada.
Jorge. Fez-me lembrar de um dos livros que mais gosto, um dos meus primeiros. Wilde ocupou boa parte da minha vida.
Bem, esse carrasco judia. Então, que a memória persista!
Beijos a todos.
O tempo sabe passar.
E a gente não.
Beijos!
belo blog.
e este dali, logo à chegada...
belo cartão de visitas.
voltarei muito por aqui.
Eis o mal de projetarmos nossa vida em cima do que já fomos ou queremos ser, sem nos preocupar com aquilo que somos! Belo texto! Bjs!
Sophia,
"Dali, aqui em meu peito..."
Eu tinha um poema que começava assim. Perdi-o em algum pedaço de papel, mas o quadro do primeiro verso, guardou-o a memória deste fã de Wilde como tu e o amigo Jorge PImenta.
Abraço mineiro,
Pedro Ramúcio.
Postar um comentário